quinta-feira, 15 de julho de 2010

A necessidade de união entre o direito, a psiquiatria e os pais na proteção ao menor.

Os noticiários da TV e as histórias vivenciadas por vizinhos, amigos, meros conhecidos e até mesmo parentes nos trazem, cada dia mais, a certeza de que a estrutura familiar, um dos principais pilares da sociedade, atravessa um momento delicado e pede socorro. Diante dessa gravidade, todos os setores ligados a família começaram a buscar o seu aprimoramento, e o direito não poderia ficar fora dessa reestruturação. Num primeiro momento, pode parecer sem sentido atribuir ao direito parte da responsabilidade pela atual crise familiar, mas, uma análise mais detalhada e profunda trás a certeza da necessidade de mudanças.
Durante muitas décadas o direito foi visto como um emaranhado de papeis sem sentimentos que tudo aceita, fazendo dos advogados, promotores e juízes, meros seguidores incondicionais da letra fria da lei. Todavia, diante das mudanças comportamentais da sociedade, o direito precisou acompanhar essa modificação, se renovando através de novas leis, Súmulas, emendas e outras formas de se obter a proteção eficaz ao direito do cidadão.
Os estudos realizados passaram a demonstrar que o direito de família, agindo de forma solitária, não conseguia oferecer solução para determinados problemas e foi necessário questionar conceitos que se tornaram ultrapassados e injustos. Foi preciso, antes de tudo, admitir que a família é a base da sociedade e que a criança necessita de atenção redobrada, pois traumas, vivências e ensinamentos ocorridos na infância, deixam marcas para a toda vida e podem vir a ser responsáveis por transtornos demonstrados na fase adulta. Em razão disso, foram criadas leis para proteger o direito da criança e do adolescente, que passou a ser enfocado como uma “questão social”, atribuindo ao Estado a responsabilidade pela proteção dos mesmos e de seus direitos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o direito da criança e do adolescente, que era garantido pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, e foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, ganhou ainda mais força: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (artigo 227)” Posteriormente, e no mesmo sentido, foi homologada a Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando em seu artigo 5º: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Ocorre que, apesar das diversas leis existentes, o direito do menor continuou sendo desrespeitado e o Judiciário se descobriu impotente para solucionar determinados litígios. Chegou-se a conclusão de que as questões familiares são amplas e complexas, e que a proteção ao menor não poderia ser apenas jurídica, devendo alcançar, ainda, a proteção moral, educacional e afetiva, sob pena da lei correspondente se tornar letra morta. Visando um novo caminho para a modernização da legislação e solução efetiva das contendas, o novo Código Civil, introduzido pela Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, fundado nos mais importantes estudos psiquiátricos, reconheceu a necessidade da presença do profissional desta área nas questões familiares, e naquelas em que estiver presente um menor.
A psiquiatria, como ciência do comportamento humano, busca a compreensão dos aspectos emocionais de cada ente familiar, visando o restabelecimento do reequilíbrio emocional e moral dos envolvidos. Através dos estudos psiquiátricos, chegou-se a conclusão da gravidade e importância das relações familiares que, em muitos casos, tornam-se coadjuvantes no agravamento do índice de criminalidade, dependência de drogas, transtornos psicológicos e tantos outros distúrbios.
A utilização da psiquiatria ultrapassa os processos criminais, como abuso sexual, pedofilia, maus tratos, e passa a ser essencial até mesmo nos processos em que se discute destituição de pátrio poder, guarda de menores, adoção, interdição, entre outras. A importância da psiquiatria no direito se torna ainda mais evidente se atentarmos as novas figuras instituídas no ordenamento jurídico: abandono afetivo, abandono moral, guarda compartilhada e síndrome da alienação parental (quando um dos cônjuges tenta denegrir a imagem do outro perante o filho, com a intenção de que este passe a odiá-lo). Todos esses institutos visam o bem estar psicológico e emocional do menor, e prevê penalidade para aqueles que transgredirem essa proteção.
O Projeto de Lei do Senado nº 700/2007, do Senador Marcelo Crivella, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente e reconhece o abandono moral como ilícito civil e penal, propiciando as penas decorrentes de tal ato. O Deputado Regis de Oliveira, autor do Projeto de Lei nº 4.053/08, visa o reconhecimento da figura da Alienação Parental, e prevê a responsabilidade civil e criminal para seus autores.
Todavia, apesar do enorme esforço do Direito em garantir uma efetiva proteção à criança e ao adolescente, é incontestável que a responsabilidade dos pais é ainda maior, pois estes possuem o dever de vigilância sobre seus filhos. O poder paternal, também chamado de poder familiar (antigo pátrio poder), consiste no conjunto de responsabilidade e direitos que envolvem pais e filhos, garantindo o dever de assistência econômica e moral, bem como de propiciar ao menor, dentro de suas possibilidades, condições necessárias para o sadio desenvolvimento, inclusive através de exemplo de conduta.
A ausência cada vez mais frequente dos pais, que acabam sendo absorvidos pelo excesso de trabalho para conseguir prover os gastos da casa, tem se tornado um dos principais motivos da desestruturação da família, vez que os filhos ficam jogados a própria sorte e buscam refúgio na internet, televisão, e até mesmo nas ruas. Do outro lado estão os pais que, carregando um sentimento de culpa pela sua ausência, se descobrem incapazes de impor limites aos filhos, que, por sua vez, passam a desconhecer o significado da palavra respeito. Nesses casos, somente a conscientização dos pais de que são humanos, e como tal tem o direito de acertar e errar, não existindo perfeição, será capaz de garantir uma relação saudável e distante de tantas cobranças.
Também é certo que ao contrário desses pais que se esforçam para criar os filhos da melhor forma, existem aqueles que agridem, maltratam, abandonam, se recusam a reconhecê-los, negam atenção, privam do convívio, e agem como se a culpa pelo nascimento fosse dos próprios filhos. É em razão da existência destes, que ainda não se conscientizaram que a criança é um ser sublime, e que tanto a maternidade quanto a paternidade são acontecimentos divinos, que o direito e a psiquiatria estão se unindo na busca da efetiva proteção aos direitos do menor, e da condenação dos pais que descumprem o seu papel.
O fato é que as crianças de hoje são o futuro de amanhã, e o abandono, maus tratos e abusos cometidos contra as mesmas, necessitam, cada dia mais, da proteção do direito e amparo da psiquiatria, pois, mesmo sem intenção, os próprios pais, seja pela sua ação, ou sua omissão, podem se tornar os responsáveis por uma geração marcada pela violência e pelo desamor.

Dra. Samanta Francisco - Advogada
Dr. Rafael Augusto Elias Perin - Médico Psiquiatra

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