Violência Doméstica contra a criança e o adolescente.
Apesar de todas as iniciativas muito bem sucedidas e do empenho do Poder Judiciário, a violência doméstica, praticada contra a criança e o adolescente, continua atingindo números assustadores, razão pela qual se faz necessário um amplo esclarecimento sobre as formas que ela se apresenta, e um alerta quanto as consequências que podem recair aos seus autores.
O desenvolvimento do menor se inicia no núcleo familiar, que possui a obrigação moral e legal de ensiná-los a maneira correta de agir, a consciência da necessidade de respeitar o próximo, obedecer as leis, evitar conflitos, aceitar as perdas, conquistar objetivos, e viver em sociedade. Por outro lado, tendo em vista que grande parte das características afetivas e de personalidade que a criança carregará para a vida adulta são construídas na infância, a violência doméstica praticada contra a mesma pode causar danos físicos e emocionais, tornando-a incapaz, desajustada, agressiva e inadequada para a vida em grupo.
A violência doméstica independe de classe social, raça, cultura, religião ou sexo; e somente possui maior visibilidade nas camadas menos favorecidas em razão destas serem mais populosas e procurarem, com maior frequência, os serviços públicos.
O abuso do poder disciplinar dos pais, parentes ou responsáveis em relação aos filhos, se caracteriza pela infração aos direitos fundamentais previstos no artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que pode ser todo ato ou omissão, intencional ou não, causando dano físico, sexual e emocional, e é um dos principais motivos que levam a criança e o adolescente a se tornarem adultos agressivos.
Crianças vítimas da violência doméstica constantemente apresentam problemas na escola e no meio social em que vivem, passam a ter dificuldades para dormir e se alimentar, tem problemas de aprendizagem, se recusam a falar sobre esse assunto com adultos, pois, tendo sido vítima de um, perde a confiança em todos eles; e mudam o seu comportamento, podendo se mostrar muito passiva, exageradamente tímida, com baixa auto-estima e introspectiva, ou agressiva e rebelde, hiperativa ou depressiva, com tendências autodestrutivas, fugindo constantemente de casa, entre outros.
Todavia, essas formas de comportamento podem ser meros indicadores de ocorrência da violência doméstica, e servem apenas como ponto de partida para que os profissionais ligados à criança, principalmente professores, assistente social e funcionários da área da saúde, procedam por uma análise mais detalhada, observando a presença de lesões físicas como queimaduras, feridas, fraturas que não coincidem com a forma alegada, bem como possível tentativa da família em ocultar essas lesões, justificando-as de forma não convincente ou contraditória. A atitude dos pais em defender a disciplina severa, abusar de álcool e drogas, insistentemente descrever a criança como desobediente, e ter antecedentes de maus tratos, também são sinais que devem ser supervisionados, pois, podem levar a constatação da existência de violência doméstica.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90) foi elaborado em consonância com a Constituição Federal, com o intuito de reconhecer e fazer prevalecer os direitos necessários para a proteção de toda criança e adolescente, determinando a intervenção na família agressora, e a adoção de medidas de proteção quando houver infração desses direitos, seja por ação ou omissão dos pais ou responsáveis, do Estado ou da sociedade, e até mesmo em razão de sua própria conduta.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a notificação de maus tratos ou mesmo a suspeita não confirmada da prática de violência passou a ser obrigatória para aqueles que convivem com a criança, para os professores, e para os profissionais da saúde, inclusive médicos, obrigando-os a honrarem o seu papel de protetor dos menores, sob pena de multa.
Cabe ressaltar que o Conselho Federal de Medicina, visando o respeito às normas legais e a proteção da criança, permite a quebra do sigilo médico nos casos em que houver constatação de violência doméstica; e o Ministério da Saúde, se comprometendo com a população brasileira de não ser omisso diante da violência, instituiu a Portaria GM/MS 1968/2001, que dispõe sobre a notificação obrigatória de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes aos Conselhos Tutelares.
O fato é que os pais ou responsáveis que infringirem os direitos da criança e do adolescente, dolosa ou culposamente, revelando-se incapaz de cuidar do bem estar dos filhos ou daqueles que estiverem sob a sua responsabilidade, que não exerçam com dignidade a responsabilidade que lhes foi concedida pela lei ou pelo juiz, e que pratiquem qualquer forma de violência doméstica, poderão sofrer as medidas legais previstas Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Penal.
Para o direito e para a psiquiatria os direitos garantidos ao menor podem ser desrespeitados pela violência doméstica, através de 06 (seis) formas: Física, Sexual, Negligência, Emocional, Síndrome de Münchausen por Procuração e Violência Institucional, e a criança ou o adolescente pode ser vítima de várias destas formas ao mesmo tempo, vez que estão interligadas e não ocorrem separadamente. Tendo em vista a complexidade de cada forma de violência, as mesmas serão explicadas e apresentadas separadamente a partir da próxima publicação.
Por fim, o estudo da violência contra crianças e adolescentes nos leva a crer que esta é uma realidade praticada em sua grande maioria por adultos que fazem parte do convívio do menor, chegando a durar dias, meses e até anos, se tornando uma das maiores causas das altas taxas de mortalidade e de criminalidade, razão pela qual se faz necessária uma resposta séria e urgente da sociedade, acabando de vez com a política da “lei do silêncio”.
Dra. Samanta Francisco – Advogada
Dr. Rafael Augusto Elias Perin – Médico Psiquiatra
Matéria publicada no site O GOIÁS. Clique aqui
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