terça-feira, 26 de outubro de 2010

Casal gay relata homofobia durante festa universitária da USP em mansão

Um casal gay alega ter sido vítima de homofobia durante a festa universitária “Outubro ou Nada”, realizada por alunos da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em uma mansão, no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, na última sexta-feira (22). Segundo afirmou nesta terça-feira (26) ao G1 Henrique Andrade, de 21 anos, estudante de biologia da universidade, ele e seu namorado estavam sentados em um sofá, conversando e abraçados, quando foram surpreendidos por outros três jovens que os xingaram com palavrões homofóbicos e os agrediram com chutes e socos.

“Sofri agressão física e moral. Não estou a fim de punir ninguém. Estou a fim de divulgar esse problema comigo para que ele seja discutido numa esfera mais ampla, buscar no futuro a criminalização da homofobia”, afirmou Henrique por telefone, momentos antes de registrar a ocorrência sobre homofobia na Polícia Civil de São Paulo. A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), na região central da capital, deverá abrir inquérito para apurar o caso, após ter sido procurada pela vítima.

A informação sobre o incidente na festa foi publicada nesta terça na coluna de Mônica Bergamo, do jornal "Folha de S.Paulo".

A pedido do G1, Henrique autorizou a publicação do relato que ele encaminhou por e-mail ao Centro Acadêmico de Biologia da USP. Leia abaixo íntegra do relato de Henrique sobre a festa onde afirma ter sido alvo de jovens homofóbicos:

“Relato – Homofobia em festa da USP

Atitudes como as que aconteceram na última sexta-feira impedem que eu me cale ou tenha medo de mostrar a realidade para todos os alunos da USP e demais pessoas que porventura leiam esse relato.

No dia 22 de outubro, eu, Henrique Andrade do terceiro ano de Biologia da USP, estava junto com meu namorado na festa “Outubro ou Nada” realizada pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) em um imóvel na Rua Itororó, 226, no Morumbi. Fomos junto com meus amigos de curso aproveitar essa festa, após uma prova. Estávamos cansados, e eu e meu namorado sentamos em um sofá em um dos cômodos da casa onde outras pessoas também descansavam. Conversávamos abraçados quando três caras se dirigiram até nós e começaram a nos xingar. Estavam visivelmente alcoolizados, e disseram inúmeros palavrões, gritaram para que saíssemos da festa pois estávamos manchando o lugar e usaram diversos adjetivos homofóbicos.

Enquanto apontavam os cigarros acesos em nossos rostos, como forma de intimidação, um deles jogou um copo cheio de bebida em nossas roupas. A partir desse momento as agressões morais somaram-se às agressões físicas: foram chutes e socos, enquanto meu namorado os empurrava tentando nos defender. Duas meninas que estavam no local chamaram um segurança, que para meu espanto ao chegar no local nada fez. Nitidamente compartilhando da visão homofóbica dos agressores, o segurança ficou olhando a briga enquanto eu gritava pedindo para que ele retirasse aqueles três caras do recinto. Nesse meio tempo, levei um tapa na cara na frente do segurança enquanto tentava dialogar com os indivíduos e um deles falou que eu e meu namorado estávamos marcados. A equipe de segurança só tomou uma atitude após a formação de um aglomerado indignado com a barbárie que estava acontecendo.

Os agressores homofóbicos foram contidos, mas não foram retirados da festa. Reencontrei com meus amigos de curso e contei a eles sobre a barbárie ocorrida. Indignados, entraram em contato com pessoas da ECA. O vice-presidente da Atlética da ECA foi muito atencioso e pediu milhares de desculpas. Depois que ele conversou com os seguranças, a equipe responsável retirou os agressores. Eles relutaram em sair da festa, e continuaram com ameaças e xingamentos do lado de fora dos portões do casarão. Foi preciso escolta até um táxi para que pudéssemos sair da festa.

No sábado, dia 23, soube que mais tarde na festa o carro de uma menina foi depredado pelos mesmos três agressores. Eles chutaram e urinaram nas portas do carro dela, porque ela respondeu “sim” após eles perguntarem se ela tinha amigos gays.

Eu e meu namorado estamos bem fisicamente, mas a agressão moral ainda dói. Estamos tomando as providências cabíveis juntamente com o Centro Acadêmico (CA) da Biologia e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (existe a Lei Estadual 10.948/2001 de combate à discriminação homofóbica em São Paulo). Não quero punir ou me vingar de ninguém, só não acho que atitudes homofóbicas como as ocorridas na festa pelos agressores e pelo segurança devam ser vistas como naturais, relevadas pelas pessoas. Nunca imaginei que seria vítima de um tipo bárbaro de agressão como esse, e quero alertar e servir como atitude precedente para os que sofrerem com situações semelhantes. Não vou me calar perante essa covardia.

Reforço a ajuda da Atlética da ECA na resolução dessa barbárie. Sei que tanto o CA quanto a Atlética da ECA não apóiam essa atitude homofóbica dos agressores e do segurança da festa. Infelizmente a equipe contratada não está preparada para lidar com a diversidade. Que eles não sejam chamados para outras festas na USP, ou que aprendam a tratar de forma não discriminatória os gays. E que a ECA se posicione formalmente sobre esse lamentável ocorrido.

Quero agradecer a todos os amigos pela preocupação que tiveram comigo e com meu namorado. Muito obrigado.

Não à homofobia !

“E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor?” Caio Fernando Abreu”


Após receber o relato de Henrique, o Centro Acadêmico de Biologia decidiu fazer uma moção de repúdio. O documento está sendo distribuído na USP solicitando assinaturas dos estudantes.

“O Centro Acadêmico de Biologia da USP (SPHN-CABIO) gostaria de publicizar o seu mais completo repúdio à agressão física e moral sofrida pelo estudante de nosso curso, Henrique Andrade, e pelo seu namorado *, durante a tradicional festa uspiana "Outubro ou Nada". Henrique e * foram abordados por três jovens porque estavam abraçados na festa. Foram agredidos verbalmente, ameaçados, convidados a saírem da festa e, por fim, agredidos fisicamente em meio a uma completa negligência da equipe de segurança da festa que só tomou a devida atitude de expulsar os agressores muito tempo após o ocorrido. É extremamente penoso constatar que continuamos vivendo em uma sociedade repleta de preconceitos e intolerância. Em um momento como esse, é fundamental que a comunidade de estudantes, professores e funcionários da universidade, bem como suas entidades representativas, exponham suas posições, organizem debates e façam atos para repudiar a homofobia e defender uma sociedade tolerante que respeite a livre orientação sexual e identidade de gênero”, escreve o Centro Acadêmico de Biologia, que finaliza: “Convidamos todos que lerem essa carta a contribuírem para que eventos como esse não mais aconteçam. Não à homofobia! Pela criminalização da homofobia no Brasil!”.

O G1 não conseguiu localizar o namorado de Henrique para comentar o assunto. A pedido do aluno de biologia, o nome de seu namorado não foi citado nesta reportagem. Até as 12h desta terça-feira (26), o G1 também não encontrou representantes dos alunos da ECA que realizaram a festa “Outubro ou Nada” para falar sobre o caso.

Kleber Tomaz - Do G1 SP

Fonte: Globo
 
Vale ressaltar que o artigo 5º da Constituição Fderal estabelece: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:" e o desrespeito à essa garantia constitucional acarretará a propositura de ação e aplicação das penas legais.
Samanta Francisco

Um comentário:

  1. Brilhante matéria. Ah, se os nossos legisladores lessem o que foi dito aqui! Certamente inclinariam seus olhos às dores sofridas pelos pais e pelos próprios ofendidos, colocando-se nos seus lugares e imaginando seus filhos em situações como esta. Parabéns ao blog que de forma brilhante e pioneira vem desbravando assuntos de grande importância...

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