segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Por lei, pais adotivos vão "à escola"

A dona de casa Laura (nome fictício), 44, de Ribeirão Preto, resolveu encarar o desafio da adoção de crianças mais velhas. Há seis meses, tornou-se mãe de Patrícia, 6.

Apesar da experiência com os outros dois filhos biológicos já adolescentes, Laura sentiu-se insegura. Decidiu, então, se preparar e participou de um grupo de apoio em Ribeirão Preto para interessados em adoção.

O que antes era só um interesse individual, como o de Laura, agora se tornou obrigação. Todos os candidatos a adoção em Ribeirão devem passar por uma preparação antes de receber o novo filho.

Essa espécie de "volta à escola" tornou-se uma exigência com a nova lei da adoção, que entrou em vigor em novembro de 2009.

Nas reuniões, os candidatos a pai e mãe esclarecem dúvidas quanto ao processo de adoção, compartilham inseguranças e aprendem como lidar com situações complexas, como o momento mais adequado de contar ao filho que ele é adotivo.

Em Ribeirão, a preparação foi formalizada há apenas três meses, quando o Fórum firmou convênio com a ONG Crescendo em Família.

O serviço será expandido com a participação de outras ONGs, de acordo com o juiz da Infância e Juventude, Paulo César Gentile.

Isso porque a demanda é grande. O Fórum de Ribeirão possui 68 casais ou solteiros inscritos na fila interessados em adotar uma criança.

A entidade, especializada em auxiliar pais e crianças em casos de adoção, criou há três anos grupos de apoio para antes e depois da adoção. O atendimento é gratuito.

Se antes apenas interessados procuravam a ONG, com a lei a demanda só aumentou, segundo a responsável pelo projeto, a psicóloga Lilian de Almeida Guimarães.

Em anos anteriores, cerca de 20 pessoas participavam dos grupos a cada semestre. "Agora, a cada sete semanas já temos um grupo. Quem se inscreve hoje só começará a partir de janeiro do ano que vem", disse a psicóloga.

Em comum, segundo ela, os casais chegam muitas vezes vindos de processos frustados de fertilização. A ansiedade inicial é trabalhada nas reuniões, assim como a possibilidade de o candidato abrir o horizonte para adoções fora do senso comum, como a de crianças mais "velhas", acima de três anos.

O bancário José Carlos Maglia Garcia, 44, e a assistente administrativa Zélia Silva Costa Garcia, 42, passaram pelo grupo de apoio. Na fila da adoção há um ano, esperam a chegada do primeiro filho.

CONTRADIÇÃO

As fichas do Fórum de Ribeirão revelam uma contradição. A maioria dos 68 interessados querem crianças de até dois anos, branca e de preferência menina.

Nos abrigos de Ribeirão, há 16 crianças aptas para serem adotadas, mas todas têm mais de nove anos.

A preparação pode atuar justamente na mudança dessa incongruência, segundo o o juiz Richard Pae Kim, membro da Coordenadoria da Infância do Tribunal de Justiça de São Paulo.

"A lei aprimorou o objetivo de que as pessoas estejam abertas também para adoções tardias, interraciais e a de irmãos", afirmou.

Após preparo em grupo, casal aguarda a chegada de um filho

Os afilhados sempre ocuparam um espaço importante nas vidas do bancário José Carlos Garcia, 44, e da assistente administrativa Zélia Silva Costa Garcia, 42.

Casados há quase 21 anos, eles optaram por não ter filhos. A ideia da adoção, conta o bancário, começou a surgir em março de 2009, em reunião com amigos, que são os pais de seus afilhados.

"A gente acha que ser padrinho supera essa questão de pai, mas começamos a pensar na adoção."

Em novembro, eles fizeram a inscrição no Fórum de Ribeirão para adotar uma criança. Durante a espera, começaram a pesquisar sobre o tema e souberam do grupo de apoio da ONG Crescendo em Família.

A ideia de um "curso", confessa, pareceu estranha no começo ao bancário. "Realmente, num primeiro aspecto, você pensa: "Pô, mas preciso passar por um curso, por uma psicóloga?" Mas, já na primeira reunião, vi que não era nada maçante nem alguém te questionando o tempo todo."

Um dos medos, já esclarecido, era de que o filho se rebelasse contra eles.

Outro ponto repensado foi a idade. O casal, que antes queria um bebê de até dois anos, hoje aceitaria uma criança de quatro anos.

Carlos e Zélia ainda aguardam pelo filho adotivo -uma espera que, graças ao preparo recebido, acontece sem uma ansiedade exagerada.

Vitor, 36, e Taís, 36 (nomes fictícios), adotaram Pedro com três dias de vida. Hoje a criança tem dois anos e meio.

Antes da adoção, Taís fez tratamento e tentou engravidar por duas vezes, sem sucesso. O casal ficou na fila de adoção por dois anos.

Pedro chegou e trouxe junto a insegurança de criar um filho adotivo. Os pais optaram então por fazer um curso de pós-adoção.

Foram também as orientações depois da adoção que hoje ajudam Laura, 44, citada no início desta reportagem, a cuidar de Patrícia, 6.

"A preocupação que eu tinha é se a criança iria nos aceitar. E o grupo ajuda a quebrar esse mito."

JULIANA COISSI - Folha de São Paulo - Ribeirão Preto

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