quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Pavor em voo gera indenização maior que não embarque

Por Amaro Moraes e Silva NetoNo dia 9 de agosto de 2010, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro colou em seu website um clipping chamado Mantida decisão que obriga aerolíneas argentinas a indenizar passageiro. O teor de seu texto:

A 3ª TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DO RIO MANTEVE A CONDENAÇÃO DA AEROLÍNEAS ARGENTINAS PARA INDENIZAR, A TÍTULO DE DANOS MORAIS, EM R$ 5 MIL RODRIGO CORREA NASCIMENTO COELHO, QUE PERDEU PARTE DE SEU PACOTE TURÍSTICO DE CINCO DIAS, EM BUENOS AIRES, POR CAUSA DE PROBLEMAS TÉCNICOS EM UMA DAS AERONAVES DA EMPRESA. ASSUSTADO, RODRIGO SE NEGOU A SEGUIR VIAGEM PELA COMPANHIA AÉREA.

MEIA HORA APÓS A DECOLAGEM, O AVIÃO ENTROU EM PANE E COMEÇOU O SUPLÍCIO: O AR CONDICIONADO PAROU, AS LUZES SE APAGARAM E UM CHEIRO DE FUMAÇA INVADIU O AMBIENTE. PASSAGEIROS E TRIPULANTES SE DESESPERARAM. O AVIÃO, ENTÃO, RETORNOU AO AEROPORTO INTERNACIONAL TOM JOBIM. RODRIGO CORREA SOMENTE CONSEGUIU RETOMAR A VIAGEM 24 HORAS DEPOIS.

NA SENTENÇA, A JUÍZA LUCIANA GOMES DE PAIVA, TITULAR DO 23º JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, DISSE QUE O DANO MORAL FICOU COMPROVADO “DIANTE DA MANIFESTO DESGASTE DECORRENTE DA LONGA ESPERA, SOMADO AO TEMOR AO TER QUE SUPORTAR O VOO EM SITUAÇÃO DE RISCO”. A CONDENAÇÃO FOI MANTIDA POR DECISÃO UNÂNIME DA 3ª TURMA RECURSAL.
Mas isto não é novidade. Em 8 de fevereiro de 2008, mais de duzentos passageiros da Tam, do vôo JJ 8091, que vinha de Miami para Guarulhos, viveram uma experiência terrível: cerca de vinte minutos após a decolagem, uma das turbinas do avião explodiu e, em seguida, pegou fogo.

Graças à perícia dos pilotos da aeronave, os passageiros não sofreram quaisquer danos físicos ou materiais. Contudo, moralmente, todos saíram feridos. Os relatos dos passageiros ressaltam a lesão moral causada.

“Foi um horror, tinha famílias inteiras no avião. Eu mesma dei o maior dos escândalos; tenho dois filhos, bateu um desespero. Muita gente chorou até tudo acabar”, contou a passageira Adriane Vilarinho.

“Meu filho de oito anos estava na janela e viu tudo. Ele perguntou se íamos morrer”, informou o empresário Antonio Carlos Germano Santos. Prosseguindo, com comoção e inconformidade, disse que seu filho e sua “mulher não conseguem dormir”.

Frente aos fatos apontados, é inegável que danos morais foram infligidos aos mais de duzentos passageiros da aeronave da Tam. E tais danos, de acordo com a legislação aplicável à matéria, devem ser ressarcidos. Afinal, toda vez que direitos fundamentais da personalidade são violados, trazendo conseqüente abalo anímico, como tristeza, frustração, angústia, humilhação, desespero e pavor, está caracterizado o dano moral, o qual é ínsito à concretização, à efetivação do ato ilícito. É aquela “coisas” do Direito Romano chamado in res ipsa.

Quando alguém sofre uma fratura, com uma radiografia podemos determinar toda a sua extensão. Se um bem qualquer é acidentado, facilmente, com uma perícia, é possível se descobrir toda a extensão do dano. Igualmente eventuais lucros cessantes podem ser apurados em quase toda a sua extensão. Porém, como se radiografar um coração partido? Como, por meio de um laudo, se determinar uma expectativa em erosão? Como se apurar os lucros cessantes de um sonho destroçado? Como quantificar o desespero e o pavor?

Ainda não se encontra disponível um aparattus que possa determinar, ou quantificar, o tamanho da ferida da dor moral. Pode-se fotografar a expressão da dor, mas não se pode fotografar a dor. Não existe um sistema para determinar a dosimetria da dor, da frustração, do aborrecimento, da infelicidade, da humilhação, do desespero e do pavor impostos. Aquele “nó na garganta”, aquela “dor no peito”, aquele “sentimento de insegurança ou de preterimento” ou aquele “medo que morte a todos traz” são necessariamente imensuráveis.

Assim, como se esperar que a vítima de um dano moral o comprove com os meios que dispomos em nosso ordenamento jurídico? Como se determinar o valor de um prejuízo anímico, o quantum que o deve compensar? Se a mens juris não se rebelasse contra isso, o dano moral seria irreparável.

Na segunda metade do século XX, no Brasil, intensificou-se um movimento doutrinário defendendo a indenização quando da ocorrência do dano moral.

A princípio os tribunais se mostraram arredios mas, com o correr de poucas décadas, ficou consolidada jurisprudencialmente a inequívoca necessidade de se reparar o dano moral. Sensíveis – coisa rara – à mudança imperiosamente exigida pelo mundo do Direito, nossos Constituintes de 1988 consagraram este anseio no artigo 5º de nossa Constituição Federal, onde consta o seguinte:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Os artigos 186 e 187, do Código Civil, também resguardam esta garantia.

Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Artigo 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.

Porém o mais importante ainda não foi solucionado: o montante indenizatório a se atribuir como compensação pela causa que ocasionou o dano moral. Consoante a mens júris, a gravidade da ofensa e a sua repercussão - no meio social ou na anima da vítima - é que são as determinantes do montante indenizatório - e sempre observados, concomitantemente, outros dois pontos: a reparação e a repreensão do ato ilícito, tendo por regra que quem pode mais deve pagar mais.

Além disso, como preleciona Carlos Alberto Bittar, ao ser arbitrada uma indenização, “levam-se, em conta, basicamente, as circunstâncias do caso, a gravidade do dano, a situação do lesante, a condição do lesado, preponderando em nível de orientação central, a idéia de sancionamento ao lesado”, a par da dor moral, em sua mais ampla acepção, jamais poder ser reparada. Ela apenas pode ser compensada, amenizada.

Para Yussef Said Cahali, “não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo", haja vista que é impossível se voltar ao status quo ante. Porque, como já dito, a indenização nunca apaga as marcas do infortúnio, apenas as minimiza.

O trabalho do arbitramento da indenização por dano moral cabe única, estrita e exclusivamente ao Juiz, que deve agir com a prudência dos sapateiros. O sapato aperta? Coloque-se-o na forma. Não bastou? Corte-se-lhe o bico para que os artelhos não se sintam machucados. Foi insuficiente? Então extirpe-se-lhe o anteparo do calcanhar.

“Mas o sapato se tornou um chinelo”, obtemperarão alguns.

Mas o que importa é que a tutela jurisdicional foi alcançada no único molde em que uma coisa pode ser enquadrada: no molde do possível. O sapato transformado em chinelo atende suas funções ontológicas, posto que protege o pé do chão. E assim deve agir o juiz para atender a prestação da tutela jurisdicional requerida, de molde a cortar todas as arestas que se fizerem necessárias para adequá-la ao binômio proporcionalidade e da razoabilidade.

O quantum pleiteado pela vítima a título de ressarcimento por dano moral, não vincula o Julgador de Primeira e Segunda Instâncias ao valor por ela requerido a título de indenização. Este valor deve ter suas bases nos belos princípios da proporcionalidade (que nada mais é do que uma faceta da razoabilidade), de modo a compensar os transtornos causados à vítima e, concomitantemente, desestimular a reincidência por parte do autor da ofensa (in casu, as empresas aéreas).

O princípio da proporcionalidade (verhältnismässigkeitsprinzip) objetiva, primordial e axiologicamente, uma solução que atenda, no mínimo e ao máximo, os interesses das partes envolvidas. É a harmonização dos direitos conflitantes.

Neste sentido, com propriedade, o altíloquo Ministro Castro Filho, do STJ, ao relatar o Recurso Especial 291625/SP, ponderou que “inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e em consonância com as peculiaridades do caso concreto”.

Nossos tribunais, seguindo a orientação do STJ, vêm adotando, unissonamente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como bases para a fixação das indenizações, eis que agravidade do dano e a capacidade econômica da companhia aérea” são os norteadores para o arbitramento da indenização – o consumidor é a parte hipossuficiente neste relacionamento.

Dos onze recursos julgados pelo STJ que dizem respeito a overbooking07, entre 16 de maio de 2002 e 6 de março de 2007, o Superior Tribunal de Justiça julgou onze recursos que tratavam de overbooking - dez relativas às companhias aéreas e um pertinente uma agência de viagens. Em cinco julgados acordaram em diminuir o quantum da indenização, quatro o mantiveram e em dois casos a aumentaram.

Ora, se o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal da Cidadania, lança chamas clamorosas de que o quantum, em média, a ser arbitrado a título de indenização deve ser da ordem R$ 6 mil, o que equivale, praticamente, a dezesseis salários mínimos, é lícito constatar que o arbitramento do quantum devido a título de indenização decorrente de dano moral decorrente de pavor ou desespero deva ser infinitamente superior. Afinal, não há como se comparar o não embarque em vôo previamente contratado e o desespero e o medo de passageiros em pleno vôo que não sabem sequer se vão desembarcar.

Referências

1 Cf. in Jornal da Tarde (SP) de 12/ii/2008, Caderno A, fls. 07, ab initio, ou a partir do website do JORNAL DA TARDE.

2 Vide nota anterior.


4 Cf. in REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS, 3ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 279.

5 Cf. in DANO MORAL – Editora Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2005, p. 111.

6 Publicado no Diário da Justiça de 04/08/2003.

7 Três Agravos Regimentais e oito Recursos Especiais.

Fonte: Consultor Jurídico

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