segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Proibir uso de eletrônicos em banco protege o cidadão

A segurança pública, um dos sustentáculos da estrutura democrática, vem sofrendo, nos últimos tempos, sério abalo provocado pelo avanço tecnológico da criminalidade moderna, constituindo a comunicação eletrônica, nos dias atuais, uma “arma letal e poderosa”.

Os recursos tecnológicos, criados para proporcionar bem-estar ao homem, trouxeram um viés assustador: favoreceram os tentáculos das organizações criminosas, as quais passaram a atuar de forma difusa e sem limite geográfico ou territorial, pois a informação, repassada em segundos, por intermédio desses aparatos, passou a ter um grande poder corrosivo e de instabilidade para a ordem e segurança pública, encontrando-se o cidadão, de outro lado, rendido a esse progresso da comunicação.

Se antes o ladrão de galinha, o punguista ou o assaltante, - que caracterizavam a “criminalidade de massa”-, apavoravam a sociedade, hoje merecem destaque as organizações criminosas, com uso de meios tecnológicos sofisticados.

Nesse contexto, do interior das unidades prisionais, líderes de facções criminosas ameaçam, extorquem, comandam seqüestros, o tráfico de drogas e outras ações, mediante o emprego da tecnologia móvel, como o telefone celular, deixando a população indefesa, descobrindo aqueles, nesse modus operandi, mais uma forma segura de praticar ilícitos e obter indevida vantagem econômica.

Assustadoramente, fora dos portões dos presídios, essas mesmas facções criminosas comandam grupos que atuam contra desavisados indivíduos na saída de instituições financeiras. É a prática delituosa denominada “saidinha do banco”, onde o cidadão, indefeso, após sacar numerário nos caixas eletrônicos ou na “boca” do caixa localizado no interior da agência, é assaltado nas imediações das instituições financeiras ou bancárias. Quando a abordagem é feita, já se sabe quanto a pessoa sacou e em que lugar está o dinheiro. Essa informação parte de dentro das agências ou dos locais onde estão localizados os caixas e chega ao meliante através do comparsa.

É a tecnologia, mais uma vez, a favor do crime.

Por força dessa gravosa situação, inspirado em outras leis municipais, já em vigor em outras cidades do Estado de São Paulo, propus o Projeto de Lei 730/2010, no âmbito da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, o qual dispõe sobre medidas de segurança no âmbito das instituições financeiras ou bancárias, e dá outras providências.

Segundo teor do artigo 1º da aludida proposta, “é vedado, em locais onde se operem caixas de atendimento ao público e no interior de instituições financeiras ou bancárias localizadas no território do Estado, o uso de: I - aparelhos eletrônicos, tais como: bip, telefone celular, rádio, walkman, agenda eletrônica, notebook, palmtop ou qualquer outro que possibilite a comunicação entre pessoas; II - acessórios de chapelaria; III – capacetes, toucas ou quaisquer acessórios que impeçam a identificação pessoal. Parágrafo 1º - A entrada nos locais mencionados no “caput” fica condicionada: 1 – à comprovação do desligamento do aparelho eletrônico; 2 – ao depósito, em local definido pela instituição, dos objetos descritos nos itens II e III. Parágrafo 2º - A recusa do cumprimento das condições previstas no parágrafo 1º ensejará o impedimento do ingresso nas áreas mencionadas no caput”. O artigo 2º, por sua vez, impõe que, “em caso de descumprimento desta lei a instituição financeira ou bancária ficará sujeita à multa de R$ 100 a R$ 1 mil UFESP, dobrada em caso de reincidência”.

Busca-se, com isso, evitar que os delinquentes tenham na comunicação eletrônica um instrumento para organizar e ter êxito na ação criminosa, pois, como já disse, a informação provém do interior das agências ou dos locais onde estão localizados os caixas e onde se encontram, na espreita, os meliantes, prontos para repassar em segundos os dados da vítima para seus comparsas que a aguardam do lado de fora da instituição.

Mas não é só. Como se vê, o presente projeto é mais amplo do que aqueles existentes sobre o assunto, pois estende a proibição para a utilização de peças de roupa que possam impedir a identificação dos criminosos.

As proibições preconizadas nessa propositura legislativa podem até gerar incômodos, por restringirem, por um exíguo lapso temporal, a utilização de comunicação eletrônica, mas são necessárias para minimizar essa prática delituosa tão difundida em nosso Estado. Aqui, há que se sopesar entre o interesse público e o privado, prevalecendo, a toda evidência, o primeiro.

Há claros exemplos disso em nossa legislação, pois normas outras existem, também polêmicas, que, muito embora tenham sofrido resistência inicial, por parte da população, foram paulatina e naturalmente sendo aceitas, por conta dos comprovados benefícios públicos sentidos. É o que ocorre com a lei antifumo, que proibiu o uso de cigarros em determinados locais, com clara vantagem para a saúde da população; e a lei que impediu, como regra, o uso do aparelho celular a bordo de aeronaves, caso não esteja em solo e com as portas abertas, com reflexos importantes para a segurança da aeronave e a vida dos passageiros.

Sem dúvida, os mesmos benefícios serão experimentados caso o PL 730/2010 seja convertido em lei estadual, a ser obrigatoriamente aplicável em todo o Estado de São Paulo. Aliás, isso já ocorre, pois, segundo a Febraban, São Paulo é a unidade da federação com o maior número de cidades em que há leis nessa direção. Até hoje, são pelo menos nove os municípios que aprovaram a norma: Franca, Jandira, Louveira, Nova Odessa, Ourinhos, São Vicente, Taubaté e São Roque. A Febraban informou também que agências bancárias de outras cidades do país já estão funcionando com a proibição, como Divinópolis (MG), Curitiba (PR), Piçarras (SC), Manaus (AM), Canguçu (RS) e Salvador (BA).

O PL 730/2010, portanto, constitui um reflexo do movimento que já vem se operando em todo Estado de São Paulo e outras cidades do Brasil, pelos consideráveis e importantes efeitos na segurança da coletividade.

Note-se, por fim, que a população possui importante papel nesse processo, na medida em que se postula a sua participação ativa, a responsabilidade comum, o dever de cooperação de todos, pois somente essa solidariedade atrelada às ações estatais será capaz de proteger as gerações presentes e futuras contra práticas execráveis da criminalidade moderna. Fala-se, assim, em "deveres fundamentais do cidadão" e não somente em "direitos individuais ou direitos fundamentais do cidadão". Eis aqui a linha diretriz que deve pautar toda a atuação estatal, sem a qual não se estabelece um compromisso efetivo entre os agentes públicos e cidadãos na adoção de medidas que visem à prevenção da criminalidade.

Fernando Capez: procurador de Justiça e deputado estadual, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, mestre em Direito pela USP e doutor pela PUC/SP, professor da Escola Superior do Ministério Público e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário