terça-feira, 16 de novembro de 2010

TJ discute pátrio poder entre pai biológico e afetivo

Pode a Justiça impor sanção de perda do poder familiar se o pai biológico manteve deveres para com a filha, mesmo vivendo distante dela? A questão foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar apelação do casal que detém a guarda da menina. O recurso pediu a destituição do pátrio poder, acumulado com a adoção de R., de 11 anos. O pedido foi feito pela mãe e o padrasto da garota contra o pai biológico que só viu a filha uma vez, quando ela tinha seis meses de idade, mas contribui com pensão alimentícia.

O tema suscitou divergência na 4ª Câmara de Direito Privado. O terceiro juiz, Teixeira Leite, sustentou tese de que a mãe da garota apresentou à Justiça “meias verdades”, argumento já levantado pelo juiz de primeiro grau.
De acordo com o desembargador, há prova segura de que o pai tentou se aproximar da filha, inclusive oferecendo ação de alimentos. “Transferir toda omissão para a figura do pai é um erro”, disse o terceiro juiz, para quem a distância do pai biológico do convívio com a menina seria consequência do comportamento, ainda não esclarecido, da mãe.

O revisor, Ênio Zuliani, defendeu a adoção unilateral com a tese da figura do abandono moral e afetivo (ausência do pai biológico). Na opinião de Zuliani, não basta pagar alimentos para manter a filiação. O fundamento do revisor foi o de que o tempo, o destino e o comportamento do pai fez com que a menina desenvolvesse sentimento afetivo pelo padrasto sendo esse fato recíproco. Para ele, novos laços de afetividade paterna com pessoa alheia são praticamente impossíveis.

O litígio foi solucionado pelo voto condutor do desembargador Natan Zelinschi, relator da apelação. Este foi seguido por Teixeira Leite. Para o desembargador Natan, o caso deve ser resolvido na substituição do conflito de adultos pela aproximação de pai e filha. “Criar oportunidades para o encontro dos dois é dever da mãe e do padrasto”, disse o relator. “Deixar que o tempo resolva a tormentosa questão e que a adoção seja assunto para a maioridade da garota é a melhor justiça”, acrescentou o terceiro juiz.

Os fatos

No final da década de 90, dois adolescentes, na faixa de 16 anos, de origem social diversa se conheceram. F. uma garota de classe média e T. um adolescente de origem humilde. Tiveram uma paixão desenfreada e rápida que durou cerca de um mês. Depois se afastaram. Desse relacionamento nasceu uma menina. T. só teria visto a filha seis meses depois de nascida.

A vida destinou rumos diferentes para os jovens namorados. F. construiu um novo relacionamento com A., com o qual tem outra filha. O casal quer a destituição do poder familiar do pai biológico e a adoção da garota R., filha afetiva de A. O pai biológico leva a vida como funcionário de uma loja, numa pequena cidade do interior e fez uma ação de oferta de alimentos, no valor de R$ 100. Paga regularmente a pensão alimentícia da menina. Diz que entrega o dinheiro pessoalmente na casa onde mora a filha.

A solução

Como construir uma saída para o caso respeitando o tratamento prioritário à menina, que tem amparo na Constituição Federal, e, ao mesmo tempo, respeitar o direito do pai biológico se este não falta com o dever de sua condição paterna? E, ainda, reconhecer os laços de paternidade que se desenvolveram entre a garota e seu pai afetivo?

O desembargador Ênio Zuliani da altura de seu conhecimento do Direito e de sua experiência como julgador apresentou uma proposta ousada: a adoção unilateral. Para ele, os laços de sangue têm papel secundário na configuração da paternidade. O que passa a ser fundamental para a construção da figura do pai é o amor, o desvelo e a dedicação que alguém se entrega para garantir o bem da criança ou do adolescente, argumenta Zuliani.

Em seguida, ele faz um recuo para esclarecer que a adoção unilateral tem previsão legal no parágrafo 1º do artigo 41 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Segundo o desembargador, a solução é possível quando a criança, filha de pais separados, é adotada pelo companheiro ou cônjuge do pai ou da mãe que tem a guarda da criança. Nestes casos a adoção unilateral depende do consentimento dos interessados. E quando há discordância do pai biológico há obrigação de destituição do poder familiar.

O tema em debate nesta quinta-feira (11/11) na 4ª Câmara de Direito Privado não era apenas tormentoso, mas ainda sem jurisprudência firmada nos tribunais superiores. Nas vezes em que tratou da questão, o STJ apenas fez indicação da tendência de priorizar sempre o interesse da criança. Zuliani trouxe três exemplos dessa indicação de privilegiar a filiação sociafetiva.

O primeiro esteve a cargo do ministro Aldir Passarinho Júnior que, em 2001, dispensou o consentimento para deferir a adoção da menor que vivia em boas condições com os pais adotivos por dez anos. Em agosto de 2010, o ministro João Otávio Noronha homologou sentença estrangeira para conceder adoção de criança que convivia com o padrasto e foi abandonada pelo pai. O último, de autoria da ministra Nancy Andrighi, admitiu que o padrasto tem legitimidade para provocar o Judiciário em busca do reconhecimento da perda do poder familiar do pai biológico e adotar o enteado.

Segundo Zuliani, no caso em julgamento, o destino fez que a figura do pai natural fosse substituída, na alma da criança, pelo marido da mãe da menina. Na opinião do revisor, a convivência duradoura marcada pelos princípios da afetividade suplanta o caráter biológico da filiação. Ainda de acordo com Zuliani, esse convívio justifica a alteração da biografia da criança situada na crise de relacionamento dos adultos de modo a fazer com que, no futuro, sua perspectiva de vida se adapte ao que se tornou a mais pura realidade: o padrasto como pai.

Segundo Zuliani, sua proposta de adoção unilateral não é uma penalidade que se impõe ao pai biológico por alguma infração, mas resultado do distanciamento de dez anos. “Não basta pagar pensão alimentícia; é preciso participar e construir sentimentos de afeição para manter uma filiação”, diz o revisor.

Voto vencedor

O desembargador Natan Zelinschi se amparou no fato de que o casal autor da ação de adoção de destituição do poder familiar não comprovou o comportamento incompatível do pai biológico da garota. De acordo com o raciocínio do relator, a mãe e o padrasto de R. pretendem desfrutar do afastamento ocasional do pai biológico para obter a adoção da menina.

O relator sustenta que a destituição do poder familiar só pode acontecer em circunstâncias adversas, o que não é a do caso em julgamento. Segundo Zelinschi, o pai biológico paga regularmente a pensão alimentícia, além de demonstrar interesse em permanecer com o poder da filha.

Zelinschi destaca que o processo não faz menção a qualquer tentativa, por parte do casal, de permitir ao pai biológico a oportunidade de retomar contato com a filha. O relator se vale para compor seu raciocínio, de fotos de festas de aniversários e de comemorações em que a menina R. era o centro das atenções. Em nenhuma é verificada a presença do pai biológico.

“Caberia aos apelantes [casal] proporcionar eventos que caracterizassem momentos em que o pai retomasse gradativamente o contato com a menor, R., a fim de que a afetividade despertasse, com o surgimento da espontaneidade, além de períodos temporários para que o contato aflorasse com descontração, ou seja, surgisse lapso temporal para a retomada da convivência”, sugeriu o relator.

Na opinião de Zelinschi, não existe nenhuma distorção do pai biológico em relação à filha e, por conta desse fato, não há motivo para a destituição do poder familiar. O relator destaca que cabe ao casal que detém a guarda da menina, “se estes tem amor em sentido amplo em relação á menor”, contribuírem para a reaproximação desta com o pai.

O desembargador Teixeira Leite segue na mesma esteira do raciocínio do relator Natan Zelinschi e sugere como saída razoável aguardar o crescimento da menina, que já tem 11 anos, para que seja concedido a ela a exclusividade da opção de decidir sobre a adoção.

Teixeira Leite destaca o fato de que em matéria de destituição de pátrio poder não há lugar para suposições e cogitações. Ele fundamenta seu raciocínio no fato de que as investigações sobre o comportamento do pai (de se afastar por longo período da filha) não foram aprofundadas. Ainda de acordo com o terceiro juiz não se avançou sobre a justificativa do pai de que a mãe sempre dificultou qualquer contato seu com a filha.

“Desse quadro, existe um presunção, retirada da realidade que vem do fugaz relacionamento encerrado com a gravidez, da diferença social dos envolvidos, ao lado da estabilidade de uma duradoura união da mãe com outro, que reforça a necessidade da interpretação de qualquer dúvida em favor do pai; afinal, resumidamente, o maior prejudicado com essa pretensão”, concluiu Teixeira Leite.

Um comentário:

  1. BOM DIA!!! GOSTEI MUITO DESSA MATÉRIA, POIS MEU CASO É SEMELHANTE A ESTES.
    O PAI DO MEU FILHO, NUNCA ASSUMIU A PATERNIDADE, TIVE QUE PROVAR PELO EXAME DE DNA, ELE FUGIU PARA NÃO PAGAR A PENSÃO ALIMENTICIA, E AGORA QUE ELE FOI ENCONTRADO PELO OFICIAL DE JUSTIÇA E A PENSÃO ESTA SENDO DEPOSITADA ATRAVES DA FOLHA DE PAGAMENTO DELE,ELE SIMPLISMENTE RESOLVEU ENTRAR COM O PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO DE VISITAS, DIZENDO QUE EU A MÃE,~DIFICULTAVA O CONVIVIO DELE COM O FILHO, POREM ISSO NUNCA OCORREU PORQUE ELE NUNCA NEM SE QUER FAZIA UMA LIGAÇÃO PARA SABER DO MENOR.CONCLUSÃO O MENINO NEM CONHECE O PAI.

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