terça-feira, 28 de setembro de 2010

Após período de gratuidade, viúvas têm convênio médico extinto

Logo depois de perderem seus maridos, Diva e Josee souberam que teriam direito a um aparente benefício de seus planos de saúde, mantidos por anos pelos companheiros: ficar sem pagá-los durante cinco anos. Mas depois perceberam que não era bem assim. Após o período de gratuidade, chamado de "remissão", os contratos mantidos por décadas seriam extintos. E, para continuar com a mesma cobertura, teriam de fazer um novo plano e pagar mais, muito mais.

"Me pediram R$ 6,5 mil pelo plano novo. Para mim, sozinha. Fiquei desesperada", relata a professora aposentada Josee Diamant Lisbona, de 62 anos, viúva há cinco e que pagava R$ 1,4 mil junto com o marido.

Casos como os das duas senhoras, usuárias de planos anteriores a 1999, quando passou a vigorar a atual lei do setor, são cada vez mais comuns nos tribunais. Também chegaram à área de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O órgão, que regula os convênios médicos, promete para os próximos dias uma súmula para orientar as operadoras de planos. Defenderá que viúvas e viúvos, ou outros dependentes, após a morte do titular dos planos antigos, tenham a garantia de usufruir da remissão e depois continuar no mesmo contrato, com os mesmo direitos e patamares de mensalidade.

Em geral, como se tratam de convênios antigos, os benefícios e a rede de serviços ofertados são melhores do que os de um novo contrato.

"Se isso vai acabar, não sei. Mas a ideia é tornar mais claro", afirma o diretor de normas e habilitação da ANS, Alfredo Cardoso. O órgão regulador informou não ter estimativas sobre o número de pessoas atingidas pelo problema.

Segundo Cardoso, a súmula poderá criar jurisprudência e evitar que as empresas cortem os contratos. Aquelas que não cumprirem a orientação poderão ser multadas pela ANS.

A lei do setor já garante que os planos familiares assinados a partir de 1999 mantenham as mesmas condições para familiares após a morte do titular, pois considera-se que cada um tem plano individual. Nos produtos anteriores à legislação, porém, isso não está claro.

No entanto, Cardoso aponta que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que "são nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade".

"As empresas aproveitam a remissão para expulsar os segurados", afirma o advogado Rafael Robba, especialista em planos de saúde do escritório Vilhena Silva. "É um usuário com mais idade, que vai gerar mais custos." Os casos que chegam aos tribunais têm obtido a garantia de permanecer no plano com as mesmas condições de custos e assistência, sempre com base no CDC, aponta. O ideal é que o usuário busque esclarecimento e, se necessário, a Justiça, antes mesmo de se beneficiar da remissão.

Dificuldade

Conseguir um novo plano individual nos mesmo patamares de cobertura e preço é praticamente impossível hoje, uma vez que boa parte das empresas do setor retirou os produtos individuais do mercado em razão de, nesses casos, o preço ser controlado pelo governo - nos planos coletivos, os valores são livremente negociados entre empresas contratantes e operadoras de planos.

Os planos individuais atualmente correspondem a 21% do mercado de convênios de assistência médica, que é de 43,8 milhões de pessoas no País. Um total de 1,7 milhão de pessoas tem planos individuais antigos.

"A remissão é um falso benefício concedido aos dependentes. O problema é que os consumidores que passam a fazer uso da remissão são, em geral, idosos. Com a resistência das seguradoras em continuar a contratação, são obrigados a mudar de operadora de saúde e, assim, a se submeter a novos prazos de carência. Também, na maioria das vezes, são pessoas com doença preexistente", afirma o advogado Július Conforti, também especialista em defender clientes de planos.

"Tenho uma doença crônica, a Doença de Crohn (doença inflamatória intestinal), e não podia ficar sem o convênio. Meu médico ficou desesperado", afirma Josee, que obteve liminar para que o mesmo contrato fosse mantido. "Mas antes disso tentei outras seguradoras e ninguém queria me pegar", continuou.

"Eu recebi a carta com os cinco anos sem pagar e ponto final. Nunca entendemos as letras pequenas dos contratos. Fui tentar fazer um contrato individual e me disseram que só tinha empresarial", afirma a aposentada Diva Rodrigues Pedrosas, de 80 anos, que também se viu surpresa com a possibilidade de ficar sem o plano, buscou a Justiça e obteve liminar.

Já Eunice Cicuto, de 81 anos, tem usufruído do benefício da remissão nos últimos três anos, mas sabe dos riscos. Porém, está satisfeita com o plano, pois tem direito a livre escolha de médicos e é atendida em hospitais de excelência. "Faltam dois anos ainda, graças a Deus. Já ouvi falar que suspendem o plano, mas se acontecer vou entrar com um recurso na Justiça", promete.

''De graça, tudo tem uma contrapartida''

Solange Mendes, coordenadora executiva da Fenasaúde, entidade que reúne as maiores operadoras do setor de saúde suplementar, aponta que as empresas de planos têm tentado negociar caso a caso com os usuários que possuem o direito à remissão - ficar sem pagar em caso de morte do titular - para evitar que percam a cobertura.

"Essas questões contratuais são complicadas porque, de graça, tudo tem uma contrapartida", disse Solange. Ela enfatizou que os planos antigos "têm preços achatados em função da política de reajuste abaixo do custo praticada pelo governo", o que justificaria os altos preços dos novos contratos.

Ainda segundo as empresas, tanto a remissão como a previsão de extinção do plano em caso de falecimento do titular são situações previstas nos contratos de convênios médicos antigos, assinados antes da lei do setor, que começou a vigorar em 1999.

"Por isso as pessoas devem prestar atenção no contrato. Os planos antigos estão realmente defasados em preço e pode haver surpresas com o reajuste", disse Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge).

A coordenadora disse ainda entender que a regra da portabilidade, editada há cerca de um ano pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, acabou com esse tipo de problema.

A portabilidade é poder trocar de plano sem ter de cumprir novas carências - as limitações de atendimento para quem ingressa em convênios médicos. No entanto, a nova regra não atingiu os planos antigos, que são os que costumam ter cláusulas de suspensão de pagamentos e extinção do plano para familiares em caso de morte do titular.

O excesso de restrições para exercer a portabilidade é apontado como motivo para apenas pouco mais de mil usuários de planos terem se beneficiado da nova regra até o início deste ano. Atualmente a ANS, operadoras e entidades de defesa dos consumidores discutem novas regras para a portabilidade.

Problema antigo

Os planos antigos são um problema grave e de longa data. Usuários enfrentam outros obstáculos, como restrições de cobertura e de acesso a novas tecnologias ofertadas.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar afirma estar de mãos amarradas desde 2003, quando o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar à Confederação Nacional de Saúde suspendendo a aplicabilidade de pontos da lei sobre planos anteriores a ela.

A data da decisão sobre o mérito da ação no STF ainda é uma incógnita, apesar de o governo ter pedido preferência no julgamento, concedida pelo relator Marco Aurélio de Mello.

Além disso, o plano de incentivo para que usuários migrassem para contratos novos ou adaptassem pontos dos acordos, lançado no fim de 2003, fracassou - menos de 2% migraram para contratos novos. O insucesso decorreu dos altos custos e de discordâncias entre as empresas e a ANS sobre os reajustes.

Para Almeida, da Abramge, é preciso uma consolidação de leis do setor, semelhante à Consolidação de Leis Trabalhistas, de 1943.

"Nem especialistas conseguem entender toda a legislação do setor. Nem as empresas. Após a lei houve 44 Medidas Provisórias e mais de mil resoluções e instruções normativas", criticou. "Se os especialistas não conseguem compreender, o que dizer do usuário", afirmou. "É tão complexo que as empresas têm mais advogados do que médicos."

Fabiane Leite - O Estado de S.Paulo

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