terça-feira, 28 de setembro de 2010

Conduta ética deve nortear prestação jurisdicional

Nestes tempos de eleição, fica a impressão de que o tema ética tem ficado cada vez mais afastado dos debates políticos, parecendo cada vez mais ser algo abstrato e com reduzido aspecto prático, sendo, portanto algo secundário.

Contudo, o exercício ético de atividades profissionais, possui sim um caráter prático e que pode conduzir a resultados extremamente eficientes nos vários campos do saber e agir humanos.

Um exemplo disso é como a conduta ética de advogados públicos e particulares e de outros operadores do direito podem contribuir decisivamente para que os processos judiciais tenham uma razoável duração. E esta conduta ética não é simplesmente facultativa, mas sim de observância obrigatória, como determina o Código de Processo Civil e o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Atualmente, há aproximadamente 65 milhões de processos pendentes de julgamento em todo o Poder Judiciário brasileiro. Não seria extravagante imaginar que, diretamente, pode haver mais de 210 milhões de pessoas naturais e jurídicas à espera de uma solução judicial.

Esta espera prolongada por uma resposta demonstra que não se está conseguindo, a contento, prestar uma tutela jurisdicional eficiente.

Não se pode deixar de reconhecer que algumas tentativas tem sido implementadas, a exemplo de reformas estruturais, como a proibição de promoção de magistrado que retém autos em seu poder, além do tempo necessário e a criação do Conselho Nacional de Justiça. Também inovações legislativas foram levadas a cabo, como a súmula vinculante, a reforma no processamento de agravos e a nova sistemática no julgamento de recursos repetitivos.

O fato é que ainda estamos muito distantes de uma razoável duração do processo, apesar de bem intencionadas tentativas.

Talvez o agir dos profissionais que atuam na área jurídica possa ser o fator preponderante para a revolução que se espera na prestação jurisdicional. E, nesse contexto, a conduta pautada na boa fé processual revela um importante instrumento de celeridade processual. Se é verdade que a boa fé processual possui um aspecto filosófico relevante, não é menos verdade que o seu aspecto prático possui um alcance muito amplo.

A boa fé já foi conceituada pelo saudoso Sílvio Rodrigues como "um conceito ético, moldado nas idéias de proceder com correção, com dignidade, pautando sua atitude pelos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar". O conceito pode ser utilizado também na órbita processual civil. E o atual Código de Processo Civil já traz normas impositivas de conduta, que revelam a obrigatoriedade da observância da boa fé na dialética processual. Convém recordar:

Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;
IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final

Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

A sanção para o descumprimento destas prescrições representam multas pecuniárias que podem ser de 1% sobre o valor da causa nas hipóteses de caracterização de litigância de má-fé e de oposição de embargos protelatórios, podendo chegar a 10 % se os mesmos forem reiterados, além de multa no percentual de 20% sobre o valor da causa nos casos de embaraço a cumprimento de ordem judicial.

O Projeto do Novo Código de Processo Civil manteve, em termos gerais a previsão de condutas pautadas pela boa fé, mas no que tange às sanções, manteve as mesmas multas baixas, com a alteração daquela prevista para o litigante de má fé, que de acordo com o Projeto passará a ser de 2% sobre o valor da causa.

Ademais, no caso de o valor da causa ser irrisória ou inestimável, o juiz poderá fixar a multa em até o décuplo das custas processuais. Outra previsão inovadora é a que prevê que a multa prevista atualmente no artigo 15 do CPC deverá ser depositada imediatamente, só podendo ser levantada após o trânsito em julgado da sentença.

Como se pode observar, se as condutas prescritas fossem sempre observadas não haveria uma infinidade de recursos sem qualquer sustentáculo jurídico ou mesmo ações desprovidas de fundamento jurídico, que atarrancam o Poder Judiciário.

É importante lembrar, ainda, que muitas ações sem fundamento e recursos protelatórios são manuseados pela Administração Pública — apesar de alguns avanços como as Câmaras de Conciliação da AGU — a fim de postergar o cumprimento de uma obrigação que sabe ser inescusável. O Estado, desta forma, tem contribuído significativamente, dia após dia, para negar vigência ao direito fundamental à razoável duração do processo.

A conduta ética, albergando-se aqui tanto a boa fé processual quanto a boa fé administrativa, representa um compromisso prático com a eficiência da prestação jurisdicional.

Por Rafael da Silva Menezes

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