Ascendência da raça negra pode vir de pai ou mãe
Afrodescendência independe de características fenotípicas da raça negra. Basta que a ascendência provenha do pai ou da mãe. Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu recurso da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e manteve decisão de primeira e segunda instâncias, que decidiram pela reintegração de um trabalhador aprovado pelas cotas para afrodescendente.
O jovem inscreveu-se em concurso público, no Paraná, para ocupar o cargo de agente comercial de campo da Sanepar, em vaga exclusiva para afrodescendente. Com base na Lei Estadual 14.274/2003, 10% das vagas dos concursos públicos devem ser destinadas para pessoas com essa origem. Aprovado, dentro da cota, ele assumiu o emprego em junho de 2006 e passou a receber seu salário, com auxílio-alimentação, de R$ 1,1 mil.
Já no exercício do cargo, o trabalhador foi chamado para uma entrevista e sabatinado por uma comissão interna que concluiu que o jovem “não mantinha as características fenotípicas da raça negra”. E, por isso, no dia 6 de setembro foi demitido por justa causa.
Insatisfeito, ajuizou reclamação trabalhista. Ele pediu a reintegração, com pedido de antecipação de tutela, bem como o pagamento dos salários referentes a todo o período de afastamento. Filho de pai negro e mãe branca, o trabalhador, que não herdou as características do pai, juntou aos autos diversas fotos de seus familiares a fim de comprovar a afrodescendência.
A Sanepar, em contestação, alegou que o objetivo da lei que previu a cota é de dar proteção às vítimas de discriminação, o que não era o caso do autor da ação. “Para a lei, é irrelevante a pessoa ter ou não descendência negra, mas sim, que o candidato deve apresentar traços que o identifiquem socialmente como negro, possuindo fenótipo correspondente àquele que é objeto de discriminação”, justificou.
O juiz da Vara do Trabalho de Porecatu concedeu a liminar favoravelmente ao trabalhador. “Irrelevante que a genética, quiçá, tenha pregado uma peça no demandante, fazendo-o nascer mais claro que o seu genitor e outros membros da família”, destacou o juiz. Segundo ele, a lei trata apenas de que está apto a concorrer à vaga especial, aquele que se declarar afrodescendente, não impondo qualquer outra condição comprobatória da raça.
“A conduta da empresa, em vez de contribuir para diminuir a discriminação racial e para a inclusão social, produziu efeito contrário, que não podem ser aceitos numa sociedade democrática”, arrematou. Para ele, “basta que a ascendência provenha do pai ou da mãe”.
A Sanepar, insatisfeita, recorreu ao TRT paranaense, que manteve a decisão. A discussão chegou ao TST por meio de Recurso de Revista, sob a relatoria da ministra Maria Cristina Peduzzi. Na atual fase recursal, a Sanepar alegou a utilização de "critérios científicos, biológicos, sociológicos e multidisciplinares previstos no edital para concluir que o candidato não preenchia os requisitos para ocupar vaga destinada a negros ou pardos". Alegou, ainda, que por ser sociedade de economia mista, pode demitir seus empregados independentemente de motivação.
A ministra destacou em seu voto que realmente as empresas públicas e sociedades de economia mista podem dispensar seus empregados sem necessidade de motivação, porém, no presente caso, “a Corte de origem afirmou que a despedida decorrera de critérios subjetivos relacionados à aparência, em razão de parecer de comissão interna no sentido do não atendimento às características fenotípicas da raça negra” e tais circunstâncias tornam inválida a rescisão contratual.
A relatora concluiu que, para obter entendimento diferente, seria necessário rever fatos e provas, o que é vedado na atual fase processual (Súmula 126 do TST). Foi mantida a reintegração ao emprego e o pagamento dos salários ao trabalhador. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR-9952600-93.2006.5.09.0562
Fonte: Consultor Jurídico
Com relação ao tema, indico uma matéria publicada no site Migalhas: Cotas ou discriminação
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