sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Proibida por lei, adoção direta ainda é comum no país

Quando decidiram adotar uma criança, Edirlene, 48, e Sergio Diniz, 49, se cadastraram na Justiça e passaram por entrevistas, estudos psicológicos, sociais e econômicos. Um ano e três meses depois, o casal de Niterói (RJ) sequer havia sido chamado para conhecer uma criança.

Os dois resolveram então partir para a adoção direta, também chamada de dirigida ou consensual -vetada pela nova lei da adoção, em vigor há quase um ano. E conseguiram.

Não há dados nacionais, mas casos como o de Edirlene e Sérgio existem aos montes, apesar da legislação.

Pela nova lei, as adoções só podem ocorrer para pais pretendentes e crianças disponíveis no CNA (Cadastro Nacional de Adoção).

Na prática, isso não ocorre, como comprova o casal do Rio de Janeiro. Ao saber que uma mulher queria doar as gêmeas que esperava, os dois fizeram a adoção direta.

Há nove meses, são pais de duas meninas que entraram para a família "direto da maternidade". "Não foi rejeição [da mãe biológica]. Foi doação por amor", diz Edirlene, explicando que a família que fez a doação não tinha condições financeiras.

A situação das crianças está legalizada desde junho.

Essas adoções diretas acabam legalizadas graças a algumas brechas existentes na lei. Uma delas é quando um juiz entende que há vínculo afetivo entre pretendentes à adoção e criança.

DEMORA

Especialistas ouvidos pela Folha dizem que a demora no trâmite do CNA leva pretendentes a procurarem mães que não querem ou não podem criar os filhos.

"Não há dados oficiais sobre o tema", diz Helen Sanches, presidente da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e Juventude).

Porém, em Lages (SC), onde atua como promotora, ela calcula que metade das adoções ocorra dessa forma.

Capitais da região Norte registram índices ainda maiores. Em Rio Branco (AC), a psicóloga Rutilene Tavares, da Vara da Infância, estima que 95% das adoções sejam consensuais.

As mães, diz Rutilene, doam diretamente seus filhos porque acham que, caso entreguem as crianças para a Justiça, elas serão presas.

"É um misto de pobreza e cultura em que mães pobres entregam seus filhos porque não podem cuidar", conta a psicóloga da Vara da Infância Evelyn Carvalho, sobre Macapá (AP).

EXIGÊNCIAS

"Muitos adotam bebês direto com as mães porque no CNA o perfil de crianças disponíveis é diferente do que se procura", diz a diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância, Irene Rizzini.

Dados do CNA mostram que enquanto 38% dos habilitados querem crianças brancas e 77% esperam que elas tenham até três anos de idade, a maior parte (45%) é parda e poucas (9%) têm menos de três anos.

Dar mais agilidade ao processo, democratizar o acesso às adoções e evitar que as crianças passem mais do que dois anos em abrigos são alguns dos objetivos do CNA.

Grupo ajuda a ampliar as preferências na adoção

As exigências das famílias ao adotar uma criança faz com que a espera seja ainda maior, afirma o juiz Nicolau Lupianhes Neto, que acompanha no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) os cadastros de Infância e Juventude, entre eles o CNA.

Por isso, a lei de adoção pede que pretendentes participem de grupos de apoio para orientá-los sobre trâmites legais e o conceito da adoção, abrindo as preferências para crianças maiores, negras, que tenham doenças ou grupos de irmãos.

"Adotar é querer ter alguém como filho, com os defeitos e qualidades que qualquer criança possa ter", diz Doemia Ceni, fundadora do grupo Manjedoura, de Campo Grande (MS).

A "gestação" das filhas de Cícero, 50, e Leni Lima, 42, de São Bernardo do Campo (Grande SP), durou cerca de quatro anos -o tempo de espera na fila de adoção.

Por meio do grupo de apoio, abriram as preferências iniciais sobre bebês para as crianças de até dois anos, que poderiam ter irmãos.

Há um ano, receberam as gêmeas Juliana e Mariana, hoje de um ano e sete meses.

O casal diz que poderia ter feito uma adoção direta, mas não quis. "Ficamos inseguros pois não sabíamos o que ela [a mãe] queria."

Segundo o vice-presidente de assuntos da Infância e Juventude da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) Francisco de Oliveira Neto, o novo sistema de adoção pretende evitar casos de arrependimento de ambas as partes e garantir a melhor família para os pequenos.

"Não é direito só dos pais estar com as crianças, mas das crianças de estarem com estes ou aqueles pais."

Lista de e-mails ajudou Justiça a encontrar casal

Ao nascer com síndrome de Down no interior do Paraná, Miguel, de um ano e oito meses, foi parar em um abrigo. A mil quilômetros dali, em Minas Gerais, o casal Fabiana, 33, e Leonardo Gadelha, 30, visitava abrigos em busca de uma criança.

Habilitados no CNA (Cadastro Nacional de Adoção) desde agosto de 2008, o elo entre Miguel e os Gadelha, no entanto, não foi via cadastro.

A informação chegou por e-mail, em uma das listas de discussões sobre adoção que o casal fazia parte.

"Quando vi a mensagem "menino, nove meses, Down, Paraná", me tocou", disse Fabiana. "Liguei para a assistente social, e ela baixou meu cadastro no CNA. Em seis dias, trouxe ele para casa."

O processo seguiu os trâmites da lei de adoção, e a lista de e-mails ajudou a Justiça a encontrar o casal.

PARECIDOS

Em 2008, no Distrito Federal, os Gadelha conheceram Paulinho, que tinha leucemia e estava numa ONG para crianças com câncer. O casal quis a guarda judicial para continuar o tratamento, mas o garoto morreu em seguida.

Sensibilizados, buscaram outra criança que passasse por necessidades tão distintas quanto Paulinho. "Eles até se parecem [fisicamente] um pouco", diz Fabiana.

ELIDA OLIVEIRA - LUIZA BANDEIRA - Folha de São Paulo

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